Exército moçambicano prepara acções sem forças estrangeiras
Maputo - O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, pediu "decisões" sobre a capacidade de resposta das Forças Armadas em Cabo Delgado, com reservistas, tendo em conta a prevista retirada das forças estrangeiras que apoiam as operações no terreno contra os grupos terroristas.
"Decisões concretas sobre a capacidade de resposta das Forças Armadas em relação à sua acção no combate ao terrorismo em Cabo Delgado no período após a retirada das forças amigas da SAMIM e do Rwanda", pediu Nyusi, ao intervir na terça-feira, em Maputo, na abertura do XXIV Conselho Coordenador do Ministério da Defesa Nacional.
"Para o efeito, a vossa reflexão deve igualmente, avaliar a forma de melhor capitalizar o manancial de reservistas, empenhando-os directa ou indirectamente em várias missões em prol da defesa da soberania e integridade territorial do nosso país”, enfatizou o Presidente moçambicano, referindo que a realidade actual justifica", citando como exemplo os antigos combatentes da luta de libertação, que ainda são úteis, mesmo depois de 40 anos.
Na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado, Nyusi destacou a importância de "convocar o cidadão" e a sociedade, em geral, para "participarem activamente no esforço de defesa nacional". "Os temas de reflexão escolhidos por este Conselho Coordenador, entre os quais figuram o envolvimento da sociedade na luta contra o extremismo violento, transformando vulnerabilidades em oportunidades, encontram enquadramento e relevância num contexto em que se intensifica o retorno das populações às zonas de origem, numa altura em que se observa a retoma das actividades económicas e o normal funcionamento das instituições nos distritos de Cabo Delgado", disse ainda o Chefe de Estado.
A Cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) aprovou em Agosto passado a prorrogação da missão em Cabo Delgado, Moçambique, por 12 meses, até Julho do próximo ano.
Segundo o comunicado final da 43.ª Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da SADC, o encontro também felicitou os Estados-membros, a liderança e o pessoal da Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SAMIM, na sigla em inglês) pela sua dedicação e contribuição no apoio à missão visando o alcance da paz e segurança na província de Cabo Delgado. Uma missão de avaliação propôs em Julho passado a retirada completa dos militares da SAMIM em Cabo Delgado até Julho de 2024, assinalando que a situação na província "está agora calma", apesar de os riscos prevalecerem.
A avaliação, consultada pela Lusa, foi proposta à Cimeira Extraordinária da troika do Órgão da SADC sobre Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e Segurança.
Nas recomendações, a missão de avaliação aconselha o início gradual da saída da SAMIM a partir de 15 de Dezembro deste ano e a conclusão da retirada em 15 de Julho de 2024, isto é, um dia antes do fim do prazo da prorrogação decidida na terça-feira pela troika da SADC.
A análise da situação feita, aponta como riscos decorrentes da permanência da SAMIM por mais um ano, o "crescente 'stress' financeiro dos Estados-membros e falta de orçamento para acções de mobilização das comunidades ao apoio às tropas estrangeiras".
Além da SAMIM e das forças governamentais moçambicanas, combatem a insurgência em Cabo Delgado as tropas do Rwanda, estando estas a operar no perímetro da área de implantação dos projectos de gás natural da bacia do Rovuma.
A província de Cabo Delgado enfrenta, há seis anos, uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico. A insurgência levou a uma resposta militar desde Julho de 2021, com apoio do Rwanda e da SADC, libertando distritos junto aos projectos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a Sul da região e na vizinha província de Nampula.
O conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED.
A perita da Organização das Nações Unidas (ONU) enviada para Moçambique, Paula Betancur, disse que há ainda casos de violação de direitos humanos em alojamentos de deslocados, devido à violência armada em Cabo Delgado, defendendo um reforço da justiça.
"É preciso reforçar a capacidade do sector e do sistema judiciário. Há ainda muito que deve ser feito nestes sectores, para melhorar ainda mais e deixá-los mais estáveis continuamente", disse Paula Betancur, relatora especial da ONU sobre direitos humanos das pessoas deslocadas internamente, citada pela Lusa, durante uma conferência de imprensa em Maputo.
Segundo a perita, que chegou a Moçambique no dia 9, além da fome e desemprego, têm sido registados casos de troca de serviços por sexo em Cabo Delgado. De acordo com Paula Betancur, Moçambique registou mais de 627 mil deslocados internos, dos quais mais de 500 mil retornaram às suas zonas de origem ou regiões próximas até Agosto.
A perita constatou ainda que a maioria dos deslocados regressados está com "trauma e medo", devido aos diferentes cenários de violência que viveu, situação que afectou a sua saúde mental.
A relatora da ONU enviada a Moçambique visitou as províncias de Maputo, Cabo Delgado e Sofala, entre os dias 09 e 21, para colher informações sobre a situação de pessoas slocadas internamente no país africano. Bentacur vai apresentar o seu relatório ao Conselho dos Direitos Humanos em Junho de 2024