AfroCultura

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A cultura africana sob diferentes perspectivas

Fábio Medina é jornalista da Rede Girassol e um estudioso das culturas africanas. Neste espaço, aborda esse tema a partir da perspectiva de diferentes pesquisadores, como antropólogos, historiadores e cientistas.

A cultura africana sob diferentes perspectivas

Fábio Medina é jornalista da Rede Girassol e um estudioso das culturas africanas. Neste espaço, aborda esse tema a partir da perspectiva de diferentes pesquisadores, como antropólogos, historiadores e cientistas.


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Sona: de escrita na areia para património imaterial de Angola

Sona: Escrita na areia
Sona: Escrita na areia Imagens: Rede Girassol

Fábio Medina

Publicado às 07h57 08/11/2023 - Actualizado às 14h43 03/01/2024

A arte de contar histórias com desenhos geométricos, de base matemática (Lu), é uma herança ancestral cultural dos povos tchokwe / Cokwe, localizados no nordeste de Angola.

Esses desenhos são conhecidos como sona (plural), ou lusona (singular), e são conjuntos de figuras geométricas que este povo usava para contar histórias e para aprendizagem dos rapazes durante os "ritos" de iniciação, que eram transmitidos pelos akwa kuta sona, ou seja, designados especialistas (aqueles que sabem transmitir aos seus filhos todos os ensinamentos).

Os jogos (sona) eram praticados antigamente nos centros das aldeias ou nos acampamentos de caças em volta de árvores frondosas ou fogueiras, através de histórias ilustradas com desenhos na areia.
Não somente histórias eram contadas através desses desenhos geométricos, mas também contos, fábulas, provérbios etc.

Como são feitos?

Eles limpam e alisam o chão primeiro, de seguida marcam as pontas dos dedos, uma rede de pontos, cuidando para que estejam regularmente espaçados de acordo com o objectivo da história ou desenho.

Em seguida, em volta dos pontos, traçam linhas rectas e curvas, tanto para a direita quanto para a esquerda, com uma inclinação de 45 graus, mantendo equidistantes dos pontos, servindo de base para a sua história.

As linhas são sempre fechadas, traçadas sem o narrador levantar o dedo da areia, seguindo regras específicas conforme a tradição local.

Cada desenho na areia – que agora são estudados, investigados e registados para a perpetuação da identidade cultural de um povo – carrega, através das histórias que representam, as crenças e as visões do mundo de uma cultura extremamente original e milenar.

Os desenhos sona são uma tradição ideográfica não conhecida apenas no leste de Angola, mas também no noroeste da Zâmbia e áreas adjacentes da República Democrática do Congo, sendo praticada principalmente pelos povos Chokwe e Luchazi.

Quando foi elevada à património cultural imaterial de Angola?

Esta iniciativa surge durante a conferência Internacional sobre Educação Matemática em Angola, realizada em 2019.

Mais tarde, com o conselho dos participantes da conferência, o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente e a Universidade Lueji A’Nkonde decidiram levar a cabo a elevação da Lusona como um património cultural imaterial no dia 20 de Abril de 2021.

Este ano, foi submetido e aceite pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) a candidatura desta importante riqueza do conhecimento ancestral, transmitida de geração a geração, a património cultural imaterial mundial.

Muitos professores de matemática já conhecem o conceito de etnomatemática, e o uso dela já é uma realidade em diversos paises fora de África, como o Brasil.

Esta arte já se tornou objecto de estudo em diversas universidades brasilerias e americanas, ficando o seu estudo como um convite às diversas universidades angolanas. Angola, África e o mundo vão caminhando de mãos dadas levando o sona para ensinar conceitos matemáticos.

As artes e as ciências sempre fizeram parte do mosaico cultural do berço da humanidade, e Angola é um exemplo forte que nos leva a conhecer essa riqueza cultural da etnomatemática.

Num pais de terras aráveis por todo lado, que convite precisamos para aprendermos o sona?

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