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Quem é Ailton Krenak, o primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras

O pensador indígena Ailton Krenak durante sua posse na ABL  - Reuters
O pensador indígena Ailton Krenak durante sua posse na ABL Imagem: Reuters

11/04/2024 18h29

"Eu venho para cá, um espaço da lusofonia, trazendo as línguas indígenas. Torço para que haja uma mudança na ABL e outras diversidades étnicas que temos no Brasil também possam ganhar espaço".

Essas palavras do pensador, ambientalista e escritor indígena Ailton Krenak, ditas durante a sua posse como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ajudam a dimensionar a importância do que aconteceu naquela noite do dia 5 de Abril no Petit Trianon, o pomposo prédio em estilo francês que funciona como sede da entidade, no Rio de Janeiro.

Um dos principais líderes indígenas e pensadores do Brasil na actualidade, Krenak entrou para a história da cultura brasileira, naquele dia, como o primeiro indígena a se tornar membro da ABL, instituição fundada pelo escritor Machado de Assis há 127 anos.

“Eu não sou mais do que um, mas eu posso invocar mais do que 300. Nesse caso, 305 povos, que nos últimos 30 anos passaram a ter disposição de dizer: ‘Estou aqui’. Sou guarani, sou xavante, sou caiapó, sou yanomami, sou terena”, disse Krenak no seu discurso, remetendo a diferentes povos indígenas e ao poema "Eu Sou 300", do escritor modernista Mário de Andrade.

Diferentemente do que costuma ocorrer em cerimónias desse tipo, Krenak não levou um discurso escrito. Ele optou pela fala de improviso, valorizando a oralidade, como faz parte da tradição dos povos originários e marca muito de sua produção literária.

 

Duas das suas obras mais recentes (“Futuro ancestral” e “A vida não é útil”), por exemplo, são resultado de palestras e conferências que depois foram transformadas em livros. "Somos herdeiros de tempos imemoriais. E tudo o que sabemos sobre isso nos chega através do discurso oral", disse durante a posse na ABL, cuja sessão estava lotada e contou com a presença da Ministra da Cultura, Margareth Menezes, do Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida, e também representantes indígenas, intelectuais e outros imortais da ABL.

Trajectória
Nascido em 1953 na pequena cidade de Itabirinha, no Estado (província) de Minas Gerais, Ailton Krenak tornou-se conhecido no Brasil a partir da década de 1980 por conta da sua militância no movimento indígena. Em 1985, ele fundou a ONG Núcleo de Cultura Indígena, que ajudou a dar visibilidade aos povos tradicionais do Brasil, um assunto historicamente negligenciado no país, seja como política pública, seja como tema de debates na mídia ou na sociedade em geral.

Foi na condição de líder indígena que ele protagonizou aquela que se tornou uma das cenas mais marcantes da história política brasileira recente: em 1987, durante um discurso na tribuna da Assembléia Nacional Constituinte, Krenak pintou o rosto de jenipapo, uma fruta nativa que gera uma tinta preta, em sinal de protesto contra o retrocesso na luta dos direitos dos povos indígenas. O gesto, que repercutiu em todo o país na época, é lembrado ainda hoje no Brasil.

"Eu me lembro do Ailton defendendo os nossos direitos na Constituição, pintando seu rosto de jenipapo. E hoje, ele está defendendo a nossa escrita, com nosso próprio punho dentro da Academia Brasileira de Letras. É muito emocionante", disse Maria Flor Guerreira, uma indígena da etnia Patachó, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo.

Nas últimas décadas, Krenak se transformou numa das vozes mais respeitadas, não só da luta pelo direito dos povos indígenas como também pela preservação do ambiente e na divulgação da cosmovisão indígena, que se opõe radicalmente ao estilo de vida ocidental, baseado no capitalismo consumista e na destruição dos recursos naturais.

“Quando os índios falam que a Terra é a nossa mãe, dizem ‘Eles são tão poéticos, que imagem mais bonita’. Isso não é poesia, é a nossa vida. Estamos colados no corpo da Terra. Somos o terminal nervoso dela. Quando alguém fura, machuca ou arranha a Terra, desorganiza o nosso mundo”, disse Krenak numa entrevista recente no Brasil.


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