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Bienal de São Paulo projecta em Luanda Coreografias do Impossível

35ª Bienal de São Paulo
35ª Bienal de São Paulo Imagens: Cedida

José Luís Mendonça

Publicado às 11h54 27/09/2024 - Actualizado às 11h54 27/09/2024

Luanda - A última zungueira apregoando mangas no Cacimbo nocturno do dia 19 de Setembro fazia a curva do passeio junto ao jardim do Instituto Guimarães Rosa (IGR), em Luanda, onde o encarregado de negócios do Brasil em Angola, Eduardo Lessa, inaugurava, cercado pelo calor dos convidados, a 35ª Bienal de S. Paulo, pela primeira vez na sua itinerância por terras africanas.

Depois dos discursos, seguiu-se a visita mediada com a equipa de educação da Bienal às obras expostas no interior do IGR.

Habitar a Cor, a principal peça, no grande espaço de exposições do Instituto, é da autoria do português Carlos Bunga. É uma instalação exuberante de tinta escorrida sobre o piso da sala, entre os pilares da escadaria principal evocando os oceanos num amanhecer cor-de-rosa.

Os visitantes podem descalçar os sapatos para sentir a liberdade da arte entrar-lhes pela sola dos pés até à alma. A obra evidencia elementos da natureza (terra, troncos de árvore, pedras) e parece-nos propor uma relação mais íntima com a obra arte.

Em suas próprias palavras, Carlos Bunga entende que “Essa é a parte mágica do artista, pois produzimos obras onde ainda há o gesto. A arte é uma extensão do nosso corpo, pode nos salvar, é uma terapia”.

A mostra também conta com Baptismo, outra obra tridimensional do angolano Januário Jano: uma instalação de 20 peças fotográficas que Igor de Albuquerque, interpreta assim: “Na instalação Batismo] (2019), observamos um conjunto de vinte fotografias que mostram Januário Jano despindo-se de uma roupa branca. A imagem do todo chama a atenção pela exuberância.

No entanto, na pesquisa dos materiais, qualquer contemplação desinteressada é dissolvida: as roupas brancas são memórias das imposições civilizatórias dos colonizadores portugueses aos angolanos. O tecido, 100% algodão, faz referência aos campos da Baixa do Cassange, onde em 1961 houve o massacre que insuflou a luta pela libertação de Angola”.

UM RIO CHAMADO ATLÂNTICO

Antes da inauguração, teve lugar no anfiteatro do IGR uma conferência de imprensa,
na qual a chefe do sector cultural da embaixada do Brasil em Angola, Luísa Tatsch, se centrou nos aspectos da forte diplomacia entre o Brasil e Angola, dois países irmãos unidos nas margens de um rio chamado Atlântico.

A escolha de Luanda como parte da itinerância é um reconhecimento dos laços históricos e culturais entre Brasil e Angola. Em 2025, Angola celebrará cinquenta anos de independência, tendo sido o Brasil o primeiro país a reconhecer este facto histórico.

Sob a curadoria de Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, a itinerância em Luanda reúne oito artistas que trazem perspectivas distintas, mas complementares, pensando nas pluralidades culturais e históricas das Américas, Europa e África.

Entre os artistas que exibirão trabalhos audiovisuais, Aline Motta aborda memórias ancestrais e familiares; BouchraOuizguen utiliza a dança e a performance em diálogo com as tradições marroquinas; Ilze Wolff investiga os impactos históricos da arquitetura e o processo de urbanização na África do Sul; Raquel Lima desenvolve uma poesia-performance centrada em questões de raça e género; Sarah Maldoror, por meio dos seus filmes, documenta o processo político a partir da experiência colectiva da descolonização africana; e Trinh T. Minh-ha utiliza o cinema para questionar a etnografia tradicional e o exercício do olhar.

Para a presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Andrea Pinheiro, “a itinerância das coreografias do impossível em Luanda reflecte o compromisso com a ampliação do diálogo entre os dois países e a promoção da arte como ferramenta de transformação social.

Em Angola, um país com uma história profundamente conectada à nossa, essa parceria ganha uma relevância especial, pois reafirma nosso compromisso institucional de resgatar e apresentar narrativas e histórias comuns entre nossos povos”, analisa.

EDUCAÇÃO PELA ARTE

Durante as itinerâncias, a Fundação Bienal de São Paulo, em conjunto com as instituições parceiras, realiza duas frentes de trabalho educativo que se complementam. São elas as ações de formação com as equipes de mediadores e educadores da cidade, e ações de difusão para o público interessado geral.

Agostinho João, coordenador dos mediadores culturais da Bienal pelo Instituto Guimarães Rosa, revela que “A equipa de mediação, constituída por 9 mediadores com idades compreendidas entre os 23 e 34 anos de idade, foi criada dois meses antes da abertura da exposição com o objectivo de garantir um acompanhamento especializado aos visitantes, fundamentalmente para as visitas em grupo como escolas primárias e secundárias, associações, universidades e outras instituições de diferentes ramos.

A equipa recebeu uma formação de capacitação organizada pelo sector educativo da Bienal de São Paulo sob coordenação de Simone de Lira, André Leitão e Renato Lopes.

Para Gonçalves, “a mediação afina a nossa sensibilidade artística, expande o nosso horizonte de expectativa e desafia-nos constantemente neste jogo de relação com as obras e com o público”.

O coordenador dos mediadores avalia a reacção das crianças e adolescentes durante as visitas à Bienal como positiva, na medida em que eles se divertem e se questionam sobre o que cada obra lhes quer transmitir.

E isso é algo que muito nos anima porque a curadoria deixa claro que esta exposição quer questionar mais do que responder. As crianças e os adolescentes adoram se mover sobre a obra de Carlos Bunga.

É uma obra que foi criada justamente com o propósito de ser tocada, sentida, pisada. Eles apreciam encantados a coreografia de Januário Jano e exploram com muita curiosidade os filmes.

A 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível é organizada pela Fundação Bienal de São Paulo com co-realização do Instituto Guimarães Rosa (IGR), unidade do Ministério das Relações Exteriores (MRE) responsável pela diplomacia cultural brasileira, e fica em cartaz de 20 de Setembro a 8 de Dezembro.

Coreografias deste quase impossível mundo em que vivemos, habitando a cor, como propõe Carlos Bunga, num imenso mar róseo onde flutua a modernidade líquida sugerida pelo filósofo polonês Zigmunt Bauman.

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